segunda-feira, 27 de abril de 2009

Diz-me onde moras….

Um dos grandes problemas da nossa sociedade é o trauma da morada.

Por  exemplo. Há uns anos, um grande amigo meu, que morava em  Sete Rios,
comprou  um andar em Carnaxide.
Fica pertíssimo de Lisboa, é agradável, tem árvores e cafés. Só tinha um
problema. Era em Carnaxide.
Nunca mais ninguém o viu.
Para quem vive em Lisboa, tinha emigrado para a  Mauritânia!

Acontece o mesmo com todos os sítios acabados em -ide, como Carnide e
Moscavide. Rimam com Tide e com Pide e as pessoas não lhes ligam pevide.
Um palácio com sessenta quartos em Carnide é sempre mais traumático do que
umas águas-furtadas em  Cascais. É a injustiça do endereço.

Está-se numa festa e as pessoas  perguntam, por boa educação ou por
curiosidade, onde é que vivemos.
O tamanho e a arquitectura da casa não interessam.
Mas morre imediatamente quem disser que mora em Massamá, Brandoa, Cumeada,
Agualva-Cacém, Abuxarda,  Alformelos, Murtosa, Angeja...
ou em qualquer outro sítio que soe à toponímia de Angola.

Para não falar na Cova da Piedade, na Coina, no Fogueteiro e na Cruz de Pau.
(...) Ao ler os nomes de alguns sítios -  Penedo, Magoito,  Porrais, Venda
das Raparigas, compreende-se porque é que Portugal não está preparado para
entrar na Europa.

De facto, com sítios chamados Finca Joelhos (concelho de Avis) e Deixa o
Resto (Santiago do Cacém), como é que a Europa nos vai querer integrar?
Compreende-se logo que o trauma de viver na Damaia ou na Reboleira não é
nada comparado com certos nomes portugueses.
Imagine-se o impacte de dizer  "Eu sou da Margalha" (Gavião) no meio de um
jantar.
Veja-se a cena num chá dançante em que um rapaz pergunta delicadamente "E a
menina de onde é?", e a menina diz: "Eu sou da Fonte da Rata" (Espinho).
E suponhamos que, para aliviar, o senhor prossiga, perguntando "E onde mora,
presentemente?", Só para ouvir dizer que a senhora habita na Herdade da
Chouriça (Estremoz).

É terrível. O que não será o choque psicológico da criança que acorda, logo
depois do parto, para verificar que acaba de nascer na localidade de Vergão
Fundeiro?
Vergão Fundeiro, que fica no concelho de Proença-a-Nova, parece o nome de
uma versão transmontana do Garganta Funda.
Aliás, que se pode dizer de um país que conta não com uma Vergadela (em
Braga),  mas com duas, contando com a Vergadela de Santo Tirso?
Será ou não exagerado relatar a existência, no concelho de Arouca, de uma
Vergadelas?
É evidente, na nossa cultura, que existe o trauma da "terra".
Ninguém é do Porto ou de Lisboa.

Toda a gente é de outra terra qualquer. Geralmente, como veremos, a nossa
terra tem um nome profundamente embaraçante, daqueles que fazem apetecer
mentir.
Qualquer bilhete de identidade fica comprometido pela indicação de
naturalidade que reze Fonte do Bebe e Vai-te (Oliveira do Bairro).

É absolutamente impossível explicar este acidente da natureza a amigos
estrangeiros      ("I am from the Fountain of Drink and Go Away...").

Apresente-se no aeroporto com o cartão de desembarque a denunciá-lo como
sendo originário de Filha Boa.

Verá que não é bem atendido. (...) Não há limites. Há até um lugar chamado
Cabrão, no concelho de Ponte de Lima !!!

Urge proceder à renomeação de todos estes apeadeiros.
Há que dar-lhes nomes civilizados e europeus, ou então parecidos com os
nomes dos restaurantes giraços, tipo : Não Sei, A Mousse é Caseira, Vai Mais
um Rissol. (...)

Também deve ser difícil arranjar outro país onde se possa fazer um percurso
que vá da Fome Aguda à Carne Assada (Sintra) passando pelo
Corte Pão e Água (Mértola), sem passar por Poriço (Vila Verde),   e
acabando a comprar  rebuçados em Bombom do "Bogadouro"¹,  (Amarante), depois
de ter parado para fazer um chichi em Alçaperna (Lousã).

¹ - Bogadouro é o Mogadouro quando se está constipado!!! "

(Miguel Esteves Cardoso)

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